segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Enchendo Linguística (muito além da sopa de letrinhas!)




Querem ver como a Linguística foi parar na cozinha?


Há muito tempo atrás (nem tanto quanto estão pensando), ainda na graduação, em uma palestra, a professora Elisa Guimarães, uma fofura de senhora, falava sobre a importância da adequação na comunicação. Para exemplificar, lembrou de um episódio quando, na casa de uma amiga, a empregada dela, da amiga, serviu um café num bule de prata, em xícaras lindíssimas... serviço muito sofisticado... tanto que não pôde deixar de comentar: ‘Nossa! Que café mais requintado!’. Um elogio, certo?! Não para a empregada que respondeu prontamente e meio embravecida: ‘Não é requentando, não senhora! O café está fresquinho!’. Ah-rá!


De quem foi o erro?! Da professora! Erro, aliás, assumido pela própria professora que entendeu que não pôs em uso o princípio da adequação. Muito humilde, a empregada provavelmente nunca havia ouvido a palavra ‘requintado’ e imediatamente associou a uma que era de seu conhecimento ‘requentado’, que, por sinal, casa-se mais facilmente com café, pois não?!


Não sei quanto a vocês, mas questões desse tipo me fascinam!!


Nessa mesma linha lembro-me de uma história que ouço desde criança – e não sei, sinceramente, se trata-se de causo do tipo verdadeiro ou do tipo causo mesmo. Era assim: um rapaz, daqueles que comem sardinha, mas arrotam caviar, em visita a uma casa muito... requintada... fazia grande esforço para parecer sofisticado. Saiu-se muito bem durante toda a tarde concordando com tudo para evitar ter de emitir opiniões contrárias sobre assuntos que não tinha a mais vaga ideia do que se tratavam. A visita já caminhava para o fim quando a anfitriã educadamente disse: ‘Já vai?! Fique mais um pouco. Toma um cafezinho conosco?’; ele, no único momento de naturalidade da tarde, considerando poder fazer descer sua máscara de rapaz da elite, não titubeou: ‘O café eu vou recusar, mas se a senhora puder embrulhar uns conosquinhos pra viagem, eu agradeço!’. Nesse caso, a coitada da anfitriã não poderia supor que estava sendo inadequada, posto que seu convidado pareceu, o tempo todo, partilhar do mesmo universo linguístico.


A boa comunicação é uma arte, não é?!


Conflitos de entendimento, geralmente, acontecem quando círculos diferentes, que não partilham do mesmo universo linguístico, se misturam. Caso infalível?! Bar-clientes-garçons. Eis um ambiente interessantíssimo para analisar a adequação. Isso porque prevalece o interesse maior do cliente em se fazer entender:


- Ô, Grande!


- Fala, Chefia!


- A gente vai de tequila.


- Opa! Quantas?!


- Uma pra cada, pra começar... então... 8!


- Ó, posso falar?! Por que vocês não fecham uma garrafa?!


- Boa! Fechado!


- Saindo!


Chamando o garçom de ‘Grande’ já se estabelece uma relação de proximidade, muito importante num bar lotado. Adiantaria dizer ‘A nossa opção de degustação alcoólica para tão aprazível noite primaveril é a típica bebida mexicana’? Na metade da frase o ‘Grande’ já teria ido atender outra mesa cujos clientes pretendiam fazer o pedido de maneira mais direta, sem enigmas! Nessa informação, o que interessa é ‘tequila’. Dito e entendido, outra informação relevante seria a quantidade: 8. Ouvindo isso, o garçom, já amigão da mesa, faz uma proposta mais vantajosa ‘fechar a garrafa’. Oras, se num bar o garçom sugere fechar uma garrafa... quem seria o tolinho de achar que ele está propondo que todos parem de beber fechando a garrafa aberta?! Tanto cliente quanto garçom sabem que ‘fechar’ significa ‘comprar a garrafa fechada para aquele grupo’. De acordo com a proposta, o cliente logo diz ‘fechado!’, nesse caso, o negócio. O garçom fecha a negociação com um ‘saindo’... o garçom?! Não! O pedido!


Estão vendo como comunicar-se de maneira clara e adequada facilita a vida da gente até mesmo num boteco por aí?! Língua é isso: a gente usa e nem percebe!


domingo, 18 de setembro de 2011

História de um provérbio





Tão típico quanto seu nome, Rex era o típico cachorro de apartamento. Ganhado ainda filhotinho nunca conheceu outra vida que não aquela.



Seus primeiros passos foram dados no laminado de madeira, seu primeiro pipi foi feito na lateral da poltrona do seu dono, sua primeira bronca - por causa do pipi - foi um borrifo de água no focinho. Tudo ali, naquele apartamento.



O casal, seus donos, tratavam o pequeno Golden Retriever como um filho. Paparicado com todos os paparicos possíveis e alimentado com as melhores rações. Ah, sim, sua alimentação era à base de ração, como deve ser, a única exceção era seu petisco favorito no mundo: linguiça!



Os donos sabiam bem que aquilo não era o mais correto a fazer, mas como resistir àqueles olhos pidões e àquele rabicó alucinado quando via um pacote de linguiça?! Eles faziam de tudo, mas quando aparecia um comercial na TV, pronto... o pequeno Rex... que já não era mais tão pequeno assim... ficava doido! Latia desesperado, babava de fazer poça, corria, pulava, rolava, batia palmas e cantava o hino nacional... tudo para chamar a atenção dos donos para seu deleite, seu sonho de consumo, seu manjar dos deuses caninos. E eles, claro, cedicam sempre.



O tempo foi passando e o filhote foi virando um baita cachorrão que dava gosto de ver. Fofo e carinhoso como todo Golden, quase não dava para notar que o coitado mal podia esticar seu esqueleto grandalhão dentro daquele pequeno apartamentinho, mas nem o próprio Rex se dava conta do incômodo que vivia.



Certo dia, porém, o veterinário da família (!) chamou atenção para o fato de que o pobre cachorro estava ficando atrofiado e receitou longos passeios para que ele, o cachorro, pudesse se esticar à vontade. E foi o que fizeram. Todas as tardes, chegando do trabalho, o casal pegava o cachorrão e iam dar uma voltas pelo quarteirão até o pequeno parque ali pertinho.



Rex era só felicidade. Descobriu que a vida podia ser melhor do que já era: a terra fofinha, a graminha cheirosa, o vento fresco no focinho... as árvores... e as árvores? Por que nunca ninguém falou para ele que fazer pipi no pé da árvore era a coisa mais gostosa da vida canina???? Essa vida, mais as porções de linguiça, era tudo o que poderia desejar.



Percebendo a felicidade da peluda criatura, o casal teve uma brilhante ideia: levar o fofo cachorrão para uma temporada natureba num sítio de uns parentes. E lá foram eles nas férias seguintes. Ele, Rex, não sabia muito bem o que estava para contecer, mas se sentia tão vivo que podia vir o que viesse, ele estava pronto!



Já em terras interioranas, tudo corria na mais plena felicidade até que... Bom, Rex passava os dias solto pelo sítio correndo loucamente para lá e para cá. Passava horas e horas descobrindo, desbravando, batizando todas as árvores do lugar com seu pipi. Lá pela segunda ou terceira semana, porém, Rex começou a sentir que, embora estivesse felizão da vida, algo lhe faltava: a linguiça!




Dando-se conta disso, na tarde seguinte, resolveu ficar estirado na grama, lembrando do sabor do seu petisco quando de repente... o que era aquilo? Uma linguiça? Andando? Achou que estava ficando doidão, mas, por via das dúvidas, foi averiguar - sempre soube que a curiosidade matou o gato, não o cachorro. Mal teve tempo de dar a primeira fungada e 'nhoct'... mordeu a linguiça? Nada! A linguiça mordeu ele! Na verdade, claro, não se tratava de uma linguiça, mas sim de uma cobra. Medo!



Foram dias terríveis os que se seguiram. Rex quase fez a passagem, mas bravo como um guerreiro, resisitiu, todavia, não sem um trauma: pegou fobia de linguiça!



E é por isso que até hoje dizem por aí: cachorro picado de cobra tem medo de linguiça.

*


Bom, a história é mentira, mas o provérbio é verdadeiríssimo!!



domingo, 11 de setembro de 2011

Top 5 - Gostinho Estranho 2*




1º gosto de garrafa - vivemos em uma época da valorização de atitudes ecologicamente corretas, pois não?! Por isso, diante daquela inocente garrafinha d'água feita de plástico que levará 252 anos para se descompor no ambiente, você opta por reutilizá-la, enchendo-a no bebedouro ao invés de comprar outra novinha, certo?! Muito certo, muito ecológico, no entanto, essa atitude repetida 3 a 4 vezes, sem que a pobre garrafinha seja devidamente higienizada, faz com que se conheça o tal gosto de garrafa;



2º gosto de bambu - esse gosto conheci quando era criança e fui a um aniversário que servia, dentre outras comidinhas, um curioso espetinho de carne moída. Nunca havia visto nada parecido, mas, mais inusitada do que a habilidade de fazer a carne moída parar num espeto, foi o gosto que senti: bambu! Não sei se por conta das restrições orçamentárias, resolveram filetar o bambu do varal para economizar, fato é que o gosto do espeto transferiu-se totalmente para a carne e nunca mais me esqueci dessa combinação pouco harmoniosa;



3º gosto de pano sujo - deveria ser lei federal, não, não... universal: pano de prato, visando a saúde dos seres humanos, deve ser sempre impecavelmente limpo. Infelizmente, isso é lei apenas para pessoas implicantes como eu, mas há quem goste de conservar o tal pano de prato (pano de louça, guardanpo ou seja qual o nome que se dê) em uso por dias e mais dias. O problema é que depois de usar o pano para secar a louça ele, o pano, adivinha... fica molhado. No entanto, é comum que se esqueça o pobrezinho secando meio amontoadinho num canto qualquer, por isso, ele vai ficando com um cherinho esquisito de cachorro molhado e, consequentemente, tudo o que esse mesmo pano tocar dali para frente, irá ganhar seu aroma de pano sujo... eca;


4º gosto de passado - há quem seja capaz de comer comida velha sem se dar conta de que aquela plumagem esverdeada não é salsinha, mas sim mofo. Há, todavia, aqueles que, devido a uma espécie de mutação que alia super paladar, hiper visão e master olfato, são capazes de identificar o gosto de passado antes mesmo de engolir o alimento. Trata-se de uma quase vidência, que faz com que essas pessoas consigam identificar a mais sutil evidência de que um certo alimento já não goza mais de total frescura, identificam o gosto de passado que só irá se manifestar para a grande maioria num futuro distante... ou nem tanto;



5º gosto de banheiro - fechando com chave de ouro essa segunda rodada de gostos estranhos, o gosto de banheiro é, na minha opinião, um dos piores. Explico. Banheiro e cozinha são ambientes opostos, quase como céu e inferno. Não devem ficar perto um do outro. O que se faz em um, não se deve fazer no outro. Entretanto, por uma distração, uma inocente medida, vejam que ironia, uma medida de higiene faz com que tudo numa cozinha fique com gosto de banheiro. Adivinharam o quê?! Limpar a cozinha com desinfetante! Pior ainda se for aqueles desinfetantes de pinho (Pinho Sol, Pinho Bril e afins) cujo cheiro remete imediatamente a um banheiro - limpo, mas ainda assim, um banheiro! O cheiro costuma ser tão forte que acaba contaminando tudo no ambiente, assim, a maçã fica com gosto de pinho, o pão fica com gosto de pinho, os copos ficam com gosto de pinho... ou seja, tudo fica com gosto de banheiro!





* atendendo a pedidos, acrescento gostos estranhos que ficaram faltando na primeira parte. Agradecimentos especiais às queridas amigas que contribuíram com as dicas de gostinhos estranhos: obrigada! Querem saber quais são os outros? Leiam aqui: http://claraemneve.blogspot.com/2011/08/top-5-gostinho-estranho.html

domingo, 4 de setembro de 2011

Frangaria do Ex-Goleiro




Desde menininho ele sonhava com os campos. Na verdade, embarcou no sonho do pai que a partir do instante que soube que seria pai de um menino decretou: 'vou ser pai de um craque!'. Assim que começou a entender minimamente a vida ele, o menino, percebeu que o fato de todo Natal e aniversário ser presenteado com uma bola de futebol significava alguma coisa.




Mal começou a dar os primeiros passos, o menino foi matriculado numa escolinha de futebol. Lá, passou alguns anos como gandula, até que conseguisse chutar a bola e não ser chutado por ela. A pedido do pai, sempre se oferecia para compor o ataque, muito embora aquela não parecia ser sua posição de maior talento.




Dois ou três meses tentando encontrar o caminho do gol e nada. Nenhum golzinho. O menino não era, definitivamente, um finalizador. O técnico, muito amigo do pai, resolveu recuar o garoto colocando-o como centro-avante, quem sabe seu talento fosse a criação! Hummm... também não. Criar, criar mesmo o menino só criava confusão ao passar todas as bolas para os jogadores do outro time. O técnico então o posicionou na lateral direita... depois esquerda... mas o caso é que todas as bolas fugiam dos pés do menino e passavam reto pela lateral. Quem sabe se recuá-lo mais um pouquinho? Lá foi o menino ocupar a zaga. Em vão, nem para chutar as canelas dos amiguinhos o menino servia! Tinha a bola roubada até pelos companheiros de time. Já que o guri era tão ruim com os pés, quem sabe com as mãos fosse melhorzinho. Virou goleiro.




O restante do time adorou a ideia. Não porque o menino fosse bom goleiro, muito pelo contrário, parecia até que o rapazinho (nesse tempo já era um rapazinho) untava as luvas com manteiga antes dos jogos, mas lá parecia que ele atrapalhava menos os outros 10 jogadores. Funcionava como um incentivo pra bola não sair do ataque porque se passasse pelo meio- campo, pela zaga... xiiiii, certeza que era gol feito. Assim, se havia um contra-ataque, imediatamente todos os 10 jogadores viravam zagueiros para tentar defender seu gol.




Os anos foram passando e, graças às boas relações do pai, o menino conseguiu uma vaga no 'Furiosos Futebol Clube', time de várzea do bairro. Goleiro titular, graças à saída do outro goleiro que arrumou emprego fixo em outra cidade. Para o pai, um sinal dos céus de que aquela era a chance para seu filho mostrar que era craque!




Não houve muito tempo para treinos, afinal, sabe como é time de várzea, né?! Todo mundo tem que ter um emprego por fora para se manter. O próximo fim de semana já era de jogo decisivo. O FFC estava na final do disputadíssimo campenato entre bairros. Até ali havia ganhado 79 das 80 partidas (quem disse que o Brasileirão é o campenato mais longo do país?!), a única partida que não ganhou, empatou em 0 x 0, ou seja, não tomou nenhum gol! O outro goleiro era uma muralha! Pena que além de bom goleiro, era ótimo pedreiro e acabou indo erguer paredes numa obra gigantesca.




Finalmente, dia do jogo. As arquibancadas do campinho de terra estavam abarrotadas. Além dos torcedores do FFC, torcidas dos outros times foram assistir ao jogo daquele que prometia ser o primeiro time de várzea a disputar, em alguns anos, uma Libertadores!




O rapaz, que já era um mocinho, era pura adrenalina! Seu primeiro jogo em um time de verdade... ou quase isso. O pai não cabia em si. Cegueta para a realidade, parecia que seu filho era o próprio Casillas, goleiro craque de verdade da Fúria, seleção espanhola.




Apiiiiiiita seu Luizinho, farmacéutico do bairro E juiz de várzea. Início de jogo. Bom, o que se seguiu foi um show... de horrores, para o FFC, porque o outro time... esse foi à forra! Não que o outro time fosse tão bom, mas é que, infelizmente, apenas naquele momento descobriu-se que o único jogador bom do time era o goleiro, o que saiu do time! O pai parou de contar no 27º gol que o filho tomou. Cada um pior do que o outro. Cada frango...




Uma goleada histórica de 36x0! O rapaz, que foi demitido ainda no vestiário (na verdade, o quintal da casa da dona Zefa), entendeu que, talvez, futebol não fosse seu talento. Os sinais ficaram meio que claros naquele momento. Decidiu que, mesmo fazendo seu pai infeliz, daria outro rumo a sua vida. Aquilo devia significar alguma coisa, afinal.




Um ano depois, o rapaz inaugurava seu próprio negócio: a FRANGARIA DO EX-GOLEIRO. Aproveitou a fama que ganhara naquele fatídigo jogo (e que perdura até hoje) em seu favor! Montou um pequeno restaurante cuja especialidade era frango. Eram nada menos do que 36 tipos de frango! Um sucesso. Seu talento, afinal, era a cozinha! Ali, podia jogar em todas as posições, sem chances de fazer feio em qualquer uma delas: um craque! Na semana que vem inaugura a 8ª filial e faz planos para transformar a FEG em franquia.




O pai, bom, embora tenha levado um tempo para se recuperar, hoje está mais conformadinho e sente-se muito orgulhoso por ter ajudado o filho a encontrar seu verdadeiro talento. De uma maneira meio torta, isso tem lá seu fundo de verdade!