terça-feira, 29 de março de 2011

Cena de noticiário policial



Era uma noite sombria. Fazia frio, muito frio. Uma densa neblina cobria a cidade. Uma fina garoa deixava o cenário ainda mais soturno.

A cidade dormia, exceto aquela porta, no final daquela rua.

Uma fraca luz amarelada tremulava no teto, quase apagando. Ninguém ali, no entanto, parecia importar-se com a pouca iluminação. Alguns usavam óculos escuros, outros deixavam capuzes ou bonés descer sobre os olhos. Pareciam esconder-se de algo ou alguém.

Havia música, ou quase isso. Um pequeno aparelho tocava ruídos num volume muito baixo, quase imperceptível, talvez com o intuito de não chamar atenção para aquele lugar.

Havia cerca de 10 pessoas, aparentemente, todos homens, mas sob capuzes, seria difícil dar certeza. Alguns conversavam, outros estavam quietos em algum canto.

Não fosse o pequeno balcão no fundo do precário salão e as garrafas de aguardente num prateleira improvisada, ninguém diria que se tratava de um bar. As caixas com garrafas vazias de cerveja também serviam como bancos, os copos ficavam na mão e a garrafa cheia no chão.

Ambiente, elementos e pessoas compunham uma imagem simbiótica.

Tudo seguia numa estranha harmonia até que o barulho de passos, vindos do início da rua, quebraram os sons conhecidos. Todos se entreolharam como que tentando descobrir quem faltava. Não faltava ninguém, todos estavam ali.

Instantaneamente, o ritmo das respirações aumentou. A tensão de todos era nítida. A apreensão podia ser notada pelos goles cada vez maiores nos copos. A adrenalina, trabalhando para defesa do que quer que fosse, podia ser sentida no ar.

Lá fora, os passos se aproximavam. O destino parecia certo: o bar.

Ninguém, embora sedentos por descobrir quem vinha, tentava olhar na direção dos passos. Quase infantilmente, acreditavam que se permanecessem imóveis, talvez os passos desistissem ou mudassem o rumo. Mas os passos continuavam.

Já de frente para a porta, o dono dos passos, um homem ameaçadoramente corpulento parou por uns instantes e finalmente entrou. Ao primeiro passo do homem, os demais prenderam a respiração. Todos, ao mesmo tempo, silenciosamente, temeram tratar-se de uma chacina. Não havia o que fazer. Correr seria pior. Ficaram imóveis.

O homem seguiu até o fundo, encostou no balcão debruçando-se sobre ele para poder visualizar o pretenso dono do estabelecimento que se escondia sob o mal-ajambrado elemento.


O dono tentou ficar invisível, mas não pôde, então levantou-se:

- (...) - tentou falar, mas a voz não saía.


O homem então olhou para os lados para certificar-se de que ninguém o estava espreitando, aproximou-se do dono e numa voz grave, porém baixa, pediu:


- Eu quero lactobacilos... - deu um murro no balcão (que quase o desmontou) e, aumentando o tom de voz, completou - VIVOS!


De posse do seu Yakult, o homem saiu do bar e voltou pelo caminho que veio.

segunda-feira, 21 de março de 2011

O resultado da espera

Ela acordou sozinha. Despertou quando o sono acabou, por isso, acordou feliz. Não apenas por isso, mas também e, principalmente, porque era o seu aniversário. Diferente de muita gente, aniversário, para ela era data esperada.


Todos os anos ela preparava uma super festa, ficava disponível para receber todos os amigos, todos os presentes, todos os votos de felicidades. Naquele ano, porém, decidiu fazer diferente: ficaria caladinha, quietinha, ia esperar pela lembrança de todos, até porque ela estava, assim, meio que adivinhando que a turma estava preparando uma festa surpresa, coisa que, por conta das suas festas, ninguém conseguia surpreendê-la, ela sempre marcava sua festa de aniversário com um mês de antecedência.


Seu marido saiu cedinho, levando as crianças para a escola. Ela ouviu tudinho, mas fingiu que estava dormindo... não queria forçá-los a não dar os parabéns pela manhã.


Não foi trabalhar. Não queria forçar o pessoal a dar os parabéns antes da festa.


Foi ao salão, queria ficar linda para sua festa surpresa. Mas foi a um salão diferente... não queria forçar o cabeleireiro a dar os parabéns antes da festa.


Passou o dia em casa:


- Engraçado ninguém ter ligado até agora.


Num instante desfez essa nuvenzinha de preocupação, afinal, era óbvio que todos estavam fingindo que esqueceram seu aniversário.


E assim passou o dia, preparada para a surpresa. E assim o dia passou. E nada.


Buscou os filhos na escola. Como seus filhos mentiam bem... qualquer um diria que eles nem tinham ideia de que era aniversário da mãe deles.


Já era noitinha quando o marido ligou pedindo desculpas: (Ufa! Já era hora!)


- Reunião de última hora... terei de substituir o chefe que está viajando. Melhor nem me esperar acordada. Nos vemos amanhã – como assim?


Ela começou a achar tudo muito, muito, muito estranho quando os monteiros marcaram 23h30! Será possível uma festa de aniversário em 30 minutos?


Adormeceu no sofá. Era fato: ninguém se lembrou do seu aniversário.


Acordou na cama. O marido a pusera lá. Achou que o dia anterior tinha sido um pesadelo. Olhou no calendário do celular e, infelizmente, era verdade, seu aniversário foi ontem. Chorou.


Depois de muito rolar na cama, rolou para fora dela e rastejou até o banheiro. Estava um bagaço. Olheiras chegando na bochecha, o penteado do dia anterior virou um pavor e, para completar, um torcicolo de matar.


Já passava das 10h, então, concluiu que o marido levara as crianças à escola.


Passou uma água no rosto, escovou os dentes e desceu vagarosamente as escadas. Zonza de tristeza e frustração, pensava em fazer as malas e sumir de casa. Mal teve tempo de completar o pensamento fujão quando, ao entrar na cozinha, deu de cara com uma multidão eufórica:


- SURPREEEEEEEEESA!


No ano seguinte e em todos os outros que sucederam, ela, dois meses antes do dia, anunciava a super festa que faria.

Não curtiu muito esse lance de festa surpresa. As surpresas podem ser surpreendentes demais.

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Desculpem-me pela demora na publicação... Está acontecendo tudo ao mesmo tempo agora na minha vida!!


quarta-feira, 16 de março de 2011

Espera


Sabe quando a gente fica esperando alguma coisa acontecer?

Ela está esperando.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Top 5: como dizer, sem dizer, que seu interlocutor está com o hálito vencido



1º Proponha um brinde - coisa mais desagradável é conversar com alguém cujo hálito causa engulhos, não?! Pior do que isso é encontrar uma maneira sutil de avisar o coitado sem que ambos caiam mortos de vergonha. Talvez, uma saída, não exatamente sutil, mas muito eficiente seja propor um brinde: 'Vamos brindar?!' 'Brindar? A quê?!' 'Ah, sei lá, à vida, ao Sol, ao vento, à queda da ditadura no Egito...' 'Ok, ok... vou pedir champagne' 'NÃO!' 'Prefere rizante?' 'Listerine!'. Se a pessoa não sacar, desenhe!

2º Ofereça uma balinha ou duas - o contexto não contribui para o pedido acima? Lance mão de um artifício baratíssimo, simplíssimo, não muito duradouro, mas melhor do que nada! A boa e velha balinha de hortelã. Sim, aquela que está esquecidinha no fundo da bolsa ou do bolso: 'Aceita uma balinha?' 'Não, obrigado/a!' 'Aceita sim, vai!' 'Acabei de escovar os dentes!' (medo!) 'Eu insisto!' 'Não mesmo' 'Eu imploro!'. Legal é entender a dica e aceitar de primeira.

3º Proponha jogar adivinhação - há casos, todavia, que nem mesmo uma balinha de Pinho Sol resolveria. Exemplo? Cebola! 'Comeu cebola no almoço?' 'ãããã... nã-não!' 'Comeu sim!'. A negativa não colou? Pra que negar aquilo que está tão evidente? Se seu interlocutor comeu cebola, não há Cristo, muito menos pasta de dente que seja capaz de minizar, muito menos de eliminar, o odor fétido provocado por essa iguaria - que na minha modesta opinião, nem deveria ser considerada comestível. Depois de uma afirmação dessas, não tem o que dizer... aliás, espera-se que o comedor de cebolas não diga nada, mais nada... nas próximas 24 horas - prazo mínimo para diminuição dos efeitos no hálito.

4º Dê uma dica - vizualize a cena: no meio de uma conversa alguém pergunta: 'Acordou agora?'. Há aqui duas possibilidades que levaram a pessoa a fazer tal pergunta: cara de sono ou bafo de onça. Para que não reste dúvidas, ressalte que a carinha está boa, não parece que acabou de acordar. Depois dessa, só resta a pessoa se mancar que seu hálito não está dos melhores.

5º Faça seu corpo falar - a linguagem corporal pode, em certas ocasiões, ser bem mais enfática do que qualquer discurso, pois não?! Pois então, se o seu interlocutor não aceitou o brinde de Listerine, não curte balinhas, insiste que não comeu cebola (ah, vá!), tem certeza que está com cara, e não hálito, de quem acabou de acordar e insiste em conversar, assim, beeeem de pertinho, quase te contando um segredo, parta para ação física: afaste-o com um leve empurrão, caso ele não entenda, saia correndo... não há mensagem mais clara do que essa!

* Dica de utilidade pública: tenha sempre um Trident consigo!

terça-feira, 1 de março de 2011

O que você comeu ontem?


Assim, de uma hora para outra a vida virou um caos!

Ele sempre se gabou de ter uma memória infalível. Lembrava-se de coisas dos tempos do berço e sua mãe confirmava tudinho. Sabia data de aniversário de to-dos os amigos: dia, mês e, pasmem, ano! As mulheres detestavam esse 'talento' porque botox nenhum poderia confirmar a mentirinha.

Além dessa habilidade em guardar datas, ele também era um livro de receitas ambulante. Desde criança observava sua mãe cozinhando e no momento seguinte já era capaz de repetir item a item, passo a passo da receita, por mais complexa que fosse.

Sua mãe achava uma gracinha, até porque não precisava mais anotar receitas ou recorrer ao velho caderno, herdado de sua mãe, para executar os mais mirabolantes pratos, era só chamar seu menininho e pronto!

Depois de crescido, percebendo quão encatadas as mulheres ficavam, passou a desculpar-se das gafes das datas preparando os pratos cujas receitas tinha de memória. Claro que, com o tempo, além de decorar a receita, passou a executá-las e aflorou ali mais um talento. Era um cozinheiro de mão cheia. E fez carreira.

Depois de um curso de gastronomia, feito meramente para formalizar sua aptidão nata, abriu um restaurantezinho que logo logo se tornou um suuuuuuper restaurante. Ele era fantástico e tinha uma equipe devotada. Todos seus subordinados tinham verdadeira adoração por aquele chef que sabia todas as receitas de cabeça... 'Ele nunca olha nem uma anotaçãozinha?', cochichavam os novatos que apareciam, 'Nunquinha!', era a resposta, sempre.

Tudo ia bem até que, de repente, assim, do nada, a vida virou um caos. Por quê?

Bom, um dia, como outro qualquer, ele estava na cozinha do restaurante, separando alguns ingredientes quando ouviu: 'Chef, o que o senhor comeu ontem no almoço?'. Silêncio. Um segundo, dois, três, trinta... nada... nenhuma ideia, nenhum lampejo, nem mesmo a mais vaga noção do que havia comido ontem. 'Como isso é possível?', pensou.

O rapaz que perguntou estranhou a demora e refez a pergunta. A resposta, no entanto, permanecia a mesma. Ele, o chef, não suportou a pressão da ausência de resposta. Abandonou e restaurante e saiu vagando pelas ruas. Sem rumo, sem pressa. Andava vagarosamente, enquanto se perguntava: 'O que eu comi ontem no almoço?'.

Está assim há um ano, numa clínica de repouso, tentando descobrir o que comeu ontem.

Temos de admitir, essa é uma pergunta um tanto quanto perturbadora, não?!

E você, o que você comeu ontem?