segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Por uma vida de migalhas

- As coisas estão muito mudadas! – disse balançando a pequena cabeça inconformadamente.

- Sim! Sim! Dá só uma olhada nisso – fazendo um gesto amplo, tentando mostrar quão diversa era a paisagem atual.

- Não é querendo ser saudosista, mas a vida antigamente não era assim, não.

- Meu pai conta que na época dele de jovenzinho, ele vivia de barriguinha cheia... e com comida de primeira, viu?! Migalhas de boa origem!

- Então, rapaz, é disso que eu estou falando! Antigamente, o pessoal trazia migalhas especialmente para nos oferecer. Havia fartura! Hoje em dia é só o que cai da mão de alguém eolha lá!

- Pois é! O que aconteceu com os aposentados generosos?! Aliás, eles mal aparecem nas praças!

- É a violência! Sentar em banco de praça se tornou atividade de risco.

- Sim, sim! E os poucos que aparecem oferecem cada coisa. Quem foi que disse que a gente gosta de salgadinho moído?! Aquilo é pura gordura trans, amigo. Sinto minhas artérias entupirem na hora.

- Não se oferta mais migalhas de pão?

- E pior, quando uma mão generosa resolve lançar as migalhas ao chão, temos que sair na asa com os outros pra conseguir dar umas bicadinhas.

- É muito bico pra pouca migalha, meu velho!

- Pior, quando cai todo mundo em cima das migalhas, ainda vem um doido espantando a rapaziada dizendo que a gente é tudo sujo que transmite doenças. E eles são muito limpos, por acaso?! A gente é que deveria ter nojo de comer as migalhas do chão por onde passam tantos sapatos sujos!

- É verdade. Mas você está pensando em fazer o quê?!

- Olha, estou querendo largar isso, rapaz! Estou querendo me mudar para o interior. Essa vida de pombo urbano já me cansou.

- Ah, sei lá, viu?! Cidade do interior tem pouco pombo, mas tem muito pardal, sabiá, tico-tico, não sei se tenho paciência para todos esses sotaques esquisitos.

- Que nada! Você se acostuma, sem contar que lá, além de ainda haver praças com fartura de aposentados com o velho hábito de levar sacos de migalhas pra distribuir, ainda tem as frutas nas árvores para sobremesa! Lá ainda se leva vida de rei!

- Ainda assim...

- Que que é isso, cara?! Pensa no saborzinho das migalhas de pão caseiro, nas de biscoito de polvilho e nas frutinhas... pensa nas frutinhas frescas!

- Tem jabuticaba?

- Opa! Tem um primo meu morando num pé de jabuticaba.

- Cara, adoro jabuticaba! Estou convencido, vou com você.

- Maravilha! Tem um ônibus saindo daqui 20 minutos da Rodoviária do Tietê.

- Pensei que a gente ia voando...

- E desde quando pombo urbano voa para longe?!

- Ah, é! Isso é coisa do tempo do meu avô.

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