Invasão
Chegando tarde da faculdade, depois de um dia exaustivo de trabalho, ela passou pela cozinha, mas só porque era caminho, e foi para o quarto. O sono, certamente, era maior do que a fome, que até achou apetitoso o bolo com cobertura de granulado que a mãe deixara sobre a mesa, mas se ela tivesse dado bola, muito provavelmente, acordaria com a cara enfiada no prato de bolo. Seguiu para o seu quarto, tomou um banho sonambulando e nem se lembra de como foi parar na cama.
Antes de o sol nascer, lá estava ela, em pé, de novo. Enquanto escova os dentes, seu estômago a lembrou do bolo que não comera ontem. Já pensou num bom naco, acompanhado de uma caneca de café fresquinho. Arrumou-se rapidamente e foi pra cozinha. Lá chegando, qual não foi sua surpresa ao encontrar o prato completamente vazio, limpo. Não havia nem uma única migalha de bolo para contar-lhe quem tinha sido o esganado que devorara aquele bolo inteiro. Tomou apenas a caneca de café, intrigadíssima.
Passou o dia todo pensando no fato. Seu pai não podia ter sido, afinal era um diabético pra lá de consciente. Sua mãe, numa disciplina militar, vivia de dieta, jamais trairia sua tabela de calorias por um bolo inteiro no meio da noite... a menos que... Bom, há um tempo atrás ouviu uma história de que a amiga da prima da vizinha da cunhada da nora da sogra da tia da avó da irmã da mãe de uma amiga sua virou assaltante de geladeiras* e, pior, a coisa começou assim, na calada da noite, as coisas simplesmente sumiam da cozinha. Será? Achou melhor nem perguntar pra mãe se ela havia comido o bolo todo, mas iria ficar atenta aos pneuzinhos dela.
À noite, voltando pra casa, a mesma cena se repetiu. Lá estava o bolão, lindo, apetitosamente lotado de chocolate granulado. Não comeu. Resolveu pagar pra ver. Bebeu um copo de leite e foi pra cama. Na manhã seguinte... nada, no caso, nada do bolo! Novamente o prato estava vazio. Durante o dia não se conteve, ligou pra mãe:
- Mãe, está tudo bem?
- Está sim filhinha, por quê?
- Não, nada... na verdade liguei pra agradecer pelos bolos que você tem deixado pra mim... – jogou verde.
- De nada, meu amor! Você, pelo visto, tem chegado faminta em casa, né? Não sabia que você gostava tanto de bolo de fubá!!
- ... sim, sim... mãe, preciso desligar... nos falamos depois, beijo!
- Beijo.
Ficou pasma: não era sua mãe a comilona! O pai não poderia ser, afinal, se tivesse comido tanto açúcar e tanto carboidrato, a essas horas estaria internado! Será que algum vizinho estava assaltando sua casa de noite?! Que loucura... deixa de paranoia. Procurou não ficar penando no assunto. Até que, no meio da aula, na faculdade, um clic! Bolo de fubá?Lembrava-se nitidamente de sua mãe ter mencionado 'bol-lo de fu-bá'. Mas com granulado? Eca! Não combina, sua mãe sabe disso.
Resolveu pôr fim naquela loucura. Chegando em casa, lá estava o bolo. Não comeu. Escondeu uma pequena filmadora apontando para o prato de bolo. Foi dormir. De manhã, mais uma vez, apenas o prato. Pegou a filmadora e foi trabalhar.
Já no escritório, descarregou as imagens no computador e quando deu o play, simplesmente não podia acreditar no que via: um bolo inteiro andando pelo armário e saindo pela janela!! Coisa que faria qualquer ateu fazer o sinal da cruz de joelhos segurando um terço. No entanto, antes de chamar um exorcista, ela aproximou a imagem ao máximo e... o que era aquilo? Ou melhor: o que eram aquilos?! Sim, quilos de... formigas tomando conta do bolo!! Um esquadrão, uma tropa, um exército inteiro. Não era chocolate granulado, afinal, eram formigas.
Estava solucionado o mistério. No mesmo minuto, contratou uma empresa de dedetização para não correr o risco de um dia ser ela e sua família carregadas para um formigueiro qualquer em troca de pagamento de resgate. Sim, as bichinhas estão se aprimorando e não se contentam mais com migalhas. Atenção: ao primeiro sinal de uma invasão dessas, chamem a dedetização, ou a polícia, sei lá, depende do caso, da urgência e do que está sendo levado, né?!
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