domingo, 5 de setembro de 2010

O molho da discórdia


Quando um relacionamento de anos está prestes a subir no telhado, qualquer coisa pode virar o mote de uma discussão. Para eles, a causa do fim foi o molho da discórdia.

Eles estavam morando juntos havia 5 anos. Montaram um simpático apartamento, dividiam todas as contas e tarefas. A parte financeira era fácil de dividir, nada que uma calculadora não deixasse tudo muito claro. No entanto, a divisão dos afazeres era um pouco mais complexa.

Decidiram que uma vez por semana, uma diarista daria um trato na limpeza do apê. Nos outros dias fariam um rodízio. Certo! Ah, o amor... capaz de produzir acordos para as missões mais ingratas.

Roupas limpas e passadas: ok. Tudo no seu devido lugar: ok. Lixo recolhido: ok. Gato ainda vivo: ok. Tudo corria muito bem, obrigada, e aquele relacionamento tinha pinta de que duraria para todo o sempre. Isso teria sido possível, se e somente se ambos fossem alimentados por sonda, o que infelizmente não acontecia.

A máxima de que os opostos se atraem mostrava-se um fracasso a cada refeição naquela morada. Ela era aquele tipo preciosista, detalhista, neta de nona legítima. Ele fazia o tipo prático. Suas idas ao supermercado se resumiam a duas paradas: a primeira era no freezer para reabastecer seu estoque de congelados e segunda no corredor de enlatados, para reabastecer o estoque de... enlatados.

No começo, quando a paixão ainda estava amortecendo os paladares, tudo corria bem. Mas, aos poucos, a tal da rotina, foi apurando o paladar. Ele reclamava que a comida dela era sempre muito demorada. Achava simplesmente absurda a ideia de marinar uma carne por 3 horas! Ela, por outro lado, sentia uma pontada no coração cada vez que ele abria o freezer e 15 minutos depois a refeição estava pronta. Ela era praticanente de slow food, ele, de fast food.

Durante um tempo, cada um guardou para si mesmo as opiniões gastronômicas um do outro. Mas, à medida que as primeiras briguinhas foram aparecendo, aquelas pequenas mágoas foram emergindo das profundezas. Tudo era motivo: o tempero artificial que causara uma azia monstruosa, a semente do tomate fresco que ferira a gengiva, o excesso de sódio que prejudicara o bom funcionamento dos rins, a verdura orgânica que prejudicara as finanças da casa. No entanto, iam levando a vida, afinal, havia amor.

Certo dia, porém, a gota d'água da relação veio em forma de molho. O relacionamento estava prejudicado por um sem número de motivos, os quais ultrapassavam os limites da cozinha, mas era justamente ali, entre o fogão e geladeira, que eram encontrados os motivos para o início da peleja.

Naquele dia, o último, ela estava preparando o molho que iria ser derrramado sobre uma divina massa fresca que ela mesma prepara. Cortava com minúscia os tomates que seriam apurados com vagar. Ele, que estava esganado de fome, perguntava a cada 5 minutos se ainda ia demorar muito. Ela respondia que a comida tem seu próprio tempo. Ele então dizia que ia esquentar um lanche pronto enquanto esperava. Ela, delicadamente, pedia que não fizesse isso, para não estragar o apetite. Ele então suspirava e voltava ao modo de espera.

É sabido por todos que fome altera o humor, pois não?! E também provoca disparos de declarações infelizes. Foi o que aconteceu. Lá pela quinta vez que ela respondeu que ainda não estava pronto, ele proferiu o seguinte xingamento:

- Por que você simplesmente não esquenta uma lata de massa de tomate e joga em cima do macarrão?!

O coração dela parou por alguns segundos. Ele ainda acrescentou:

- Melhor: esquenta a massa de tomate e joga em cima do miojo!

Quanta brutalidade! Aquilo era intolerável. Ela então teve um rompante de fúria e dali pra frente o que se viu e ouviu não pode ser descrito nesse blogue de família. Apenas digo que foram desenterradas mágoas guardadas por 5 longos anos e milhares de refeições. Resumidamente, um dizia ao outro que a maneira como cada um preparava seu molho refletia sua postura diante da vida e tal e tal... Freud faria a festa!

Separaram-se, claro. Tudo teria sido diferente se cada um preparesse sua própria refeição, mas nãããããããão... eles resolveram fazer diferente, taí, cada um pro seu lado. É o que eu sempre digo: molho não se discute; se não gosta do meu, prepare o seu!

Um comentário:

Cris Ventura disse...

Oi Fabi! Gostei do texto!!! Beijo!