domingo, 11 de julho de 2010

Um dia de cada vez


Para ele, essa final de Copa do Mundo teve um sabor diferente: o sabor amargo do medo.

Ele era um esperto e habilidoso croupier num grande cassino nas profundezas de um badalado oceano. Embora tivesse certos talentos, era só mais um dentre tantos funcionários. Há cerca de 2 meses sua vida mudou completamente. Um certo dia, um mergulhador chegou àquela profundidade e, sem mais nem menos, capturou o pobre funcionário que, sem chances de defesa, nem teve tempo de se despedir da turma.

Aquele não era seu fim. Depois de tanto tempo trabalhando num cassino ele viu e aprendeu muitas coisas, sabia que tinha uma habilidade especial, tinha intuição aguçada, percebia de longe um espertalhão que tentava levar vantagem na sua roleta. Ele era esperto e usaria isso a seu favor.

O sequestrador era um homem recém-falido que realizava seu último mergulho antes de vender todo seu equipamento para saldar uma ridícula parte de sua imensa dívida junto a to-dos os bancos da Inglaterra.

Em terra firme, o resultado da pescaria seria a panela, mas, enquanto amolava a faca, aquele homem, sem explicação, apiedou-se da pobre criatura e decidiu não jantá-la.

A quase-janta não ignorava uma oportunidade! Decidiu cativar o mergulhador. Olhando ao redor do minúsculo aquário, percebeu que seu sequestrador estava em apuros financeiros então, percebeu que poderia comprar sua permanência no mundo dos vivos. Fez de tudo para chamar a atenção do homem: saltos, piruetas, acrobacias. Finalmente o homem notou algo diferente acontecendo no aquário e passou a observar atentamente o que seu novo amigo fazia. O que era aquilo? Parece que são... sim, são números! 78, 25, 36, 12, 48. Correu, pegou papel e caneta. Entendeu na hora o que estava acontecendo e correu para a casa de apostas mais próxima. No dia seguinte o falido mergulhador era dono de uma das maiores fortunas da Inglaterra.

Mas, quando a pessoa tem talento para o fracasso, ninguém a segura, pois não?! Pois é! Deslumbrado e abestalhado, o homem não se deu conta de que sortudo era seu amiguinho, não ele! Achou que estava numa maré de sorte e resolveu apostar tuuuuuudo que tinha (tudo, tudo mesmo, incluindo a nova casa com tudo dentro, incluindo o aquário e seu conteúdo!) numa daquelas apostas de ‘o dobro ou nada’. Resultado?! Ele ficou com o ‘ou nada’ enquanto o outro apostador ficou com ‘tudo’!

O outro apostador, um velho dono de restaurante de frutos do mar na Alemanha, tomou posse dos novos bens, vendeu tudo, pegou o dinheiro e voltou para casa. Na bagagem, além de muito dinheirinho inglês, levou o aquário e seu morador... achou que daria um bom prato! Mais uma vez o coitado do sequestrado temeu pela sua vida, mas, mais uma vez decidiu que daria seu jeito.

Já na Alemanha, no (macabro) restaurante, num aquário maior, pôs-se a pensar o que faria para preservar sua vida.

Era quase meados de junho e o tal alemão preparava seu restaurante para receber os torcedores da seleção alemã de futebol durante as partidas na Copa do Mundo da África. Sim! Ele percebeu que seu novo dono era fanático por futebol! O futebol salvaria sua vida!

O aquário estava todo enfeitado com bandeiras de todos os países participantes do mundial. Pouco antes do primeiro jogo, usando sua espantosa intuição, começou a apontar a bandeira do país que venceria aquela partida. Demorou um pouco, mas a certa altura, um dos torcedores que assistiam a partida percebeu uma certa histeria no aquário e entendeu o recado! Achou engraçado e chamou os amigos para observar o morador do aquário.

E assim foi, jogo a jogo, placar a placar, acerto a acerto que Paul, o polvo, tornou-se um fenômeno mundial! O grande oráculo da Copa do Mundo. Contrariando especialistas, jornalistas,videntes, gurus e pais de santo, Paul passou a ser 'o' anunciador de resultados. Sim, sim, o medo da morte aguçou sua intuição!

Antes de todos os jogos o alemão, demovido da ideia de papar Paul, colocava o par de bandeiras de cada partida e o polvo dava seu veredicto.

Alguns resultados causaram polêmica e alguns apostavam no fim de Paul – principalmente quando ele anunciou que a Alemanha perderia para a Espanha! Mas após os 90 minutos, bingo! Ele estava certo, mais uma vez.

Hoje, porém, passaram-se os 90 minutos, Paul já sentia o cheirinho da manteiga fritando na panela que receberia as rodelinhas de seus tentáculos. Era seu fim?! Será que o polvo iria errar justamente o último e mais importante jogo do mundial?! Nos 15 minutos do primeiro tempo da prorrogação, Paul já planejava uma fuga espetacular. Quanto tempo sobreviveria fora da água?! Mais 15 minutos, o pobre polvinho já não sentia metade de seus tentáculos, estava tendo um AVC de tanto medo! Já via a luz quando, de repente, um grito de gol. Abriu um de seus olhinhos e mirou a TV: gol da Espanha!! Ainda faltavam 3 minutos para o fim, o alemão ainda mantinha a frigideira no fogo, Paul uniu os 8 tentáculos e rezou fervorosamente pelo fim daquela torturante partida. Fim! Acabou! Espanha campeã.

Mas, mais uma vez, Paul escapou da morte, da panela e da paella. O que será do polvo a partir de amanhã?! O que será de sua história?! Por via das dúvidas, todos os pratos à base de polvo saíram do cardápio do restaurante do alemão.

E assim, Paul, o polvo, vai vivendo... um dia de cada vez. Só não está mais feliz porque sabe que muitos de seus parentes virarão paella. Um minuto de silêncio, por favor...

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Aaaaaah, fiquei feliz pela Espanha! Sempre bom ver a Fúria jogar... melhor ainda vê-la ganhar, né não?!

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