domingo, 22 de março de 2009

Cafézinho Inocente

Ela havia acabado de se formar em Biologia. Recebeu uma proposta de trabalho que não era exatamente irrecusável: 3 meses na floresta amazônica pesquisando os hábitos dos animais noturnos. Aceitou.
Na noite anterior ao embarque, repetia a si mesma: posso viver sem chapinha, posso viver sem tv, computador, internet, telefone, chuveiro quente, cama macia, sou forte, sou resistente, vivo com pouco... a mim, basta um bom livro e uma xícara de café. Café?! Meu Deus, será que no acampamento tem café?!

Ela aceitava ser privada de qualquer luxo e conforto, aceitava conviver com feras selvagens e mosquitos do tamanho de helicópteros, mas sem café, não, isso nunca! Correu para o supermercado e abraçou 15 pacotes de café. Sua bagagem agora era uma mochila com roupas e itens básicos de higiene para os próximos três meses e uma mala cheia de pacotes de café, item fundamental de sobrevivência seja na selva ou na cidade!

Embarcou sem transtornos. Voou sem problemas. Chegou sã e salva ao aeroporto de Manaus. Enquanto esperava sua mala na esteira, se perguntava, ansiosa, quando a aventura iria começar. Nem precisou esperar muito tempo.

Indo em direção à saída do aeroporto, ouviu latidos histéricos, nervosos, raivosos. Já xingava mentalmente o dono-sem-noção daquele cachorro, quando olhou para trás, notou que não se tratava de um cãozinho qualquer, era uma fera de dentes enormes, babando, latindo, rosnando e vindo em sua direção!! Instintivamente, pôs-se a correr desesperadamente. Na outra ponta da coleira, um policial federal que, vendo a moçoila correr daquele jeito, deu lhe voz de prisão. Oi?!

Ela não sabia se corria mais ainda ou se parava pra perguntar se ele não a estava confundindo com alguém. Como o instinto de sobrevivência fala muito mais alto que a curiosidade, correu mais ainda, correu como uma velocista. E a besta-fera atrás, tal qual... uma besta-fera, e o policial junto. Numa cena de tragi-comédia, o cão soltou-se do policial e tão rápido quanto um raio alcançou a pobre bióloga. Em choque, ela parou. Já podia ver a luz quando reparou que o cachorro não a atacou... ele avançou em sua mala! Na mala?!

O cachorro latia, rosnava e babava olhando fixamente para a pobre malinha que, de medo, nem se mexia. Logo depois, esbaforido e fora de forma, o policial pediu que a moça e a mala os acompanhassem, ele e o cão, para averiguações.

- Heim?! Como assim?! Averiguação de quê?! Por quê?! Onde?! Agora?! Por que eu?! Quem é você?! Onde eu estou?! Que cachorro é esse?! Por que ele correu atrás de mim?! Ele é vacinado?! Acho que ele babou em mim?! Preciso me vacinar?! Posso me lavar?! Do que estou sendo acusada?! Preciso de um advogado?! Eu estou encrencada?! Eu sou inocente... seja lá qual for a acusação... aliás, qual é a acusação?! Posso chorar?!

- Não é necessário.

- O choro?! Ou o advogado?! Ou a vacina?!

- O choro é opcional. A vacina não é necessária. O advogado... depende. Se você disser quem é o fornecedor, se for dos grandes e conseguirmos pegá-lo, podemos fazer um acordo.

- Éééééé... desculpa, acho que entrei no filme errado. Não estou entendo patavinas do que o senhor está falando.

- Podemos pular essa parte e ir direto ao assunto... ou podemos passar longas horas aqui nesse joguinho.

- Juro que não faço ideia do que estamos falando aqui!

- Olha mocinha,você me fez correr demais, pra encurtar essa ladainha, vou ser bonzinho e dizer: o cão farejador identificou, localizou e apontou sua mala: ela está cheia de café...

- ...mas qual é o problema com meu café?! É proibido transportar café?! Policial, eu não sabia... eu sou viciada em café!

- Agora você vai me dizer que carrega 15 pacotes de café numa mala pra consumo próprio?!

- Sim!

- Então você quer que eu acredite que toda a droga moquiada nesses pacotes de café são pra consumo próprio?!

- Droga?! Moquiada?! Que droga?!

- Cocaína, espertinha!

- Heeeeim?!

- Não adianta negar, esse é um cão farejador treinado, ele sabe que vocês usam o café para disfarçar o cheiro da droga.

- Policial! PelamordeDeus... só tem... ca-fé dentro daqueles pacotes! Só tem caféina aí! Cafézinho inocente!
- Sei...

- É verdade! Pode abrir... um por um... só tem café ali!

- Pensa que me engana?! Nega agora... - abrindo, com um canivete, um por um, os pacotes de café, formando uma nuvem marrom e cheirosa por toda a sala.

- Satisfeito?! É café! Meu café... todo pelo chão... Vou passar 3 meses no meio da floresta e esse é , ou melhor, era meu suprimento de café.

- (com a cara mais sem graça do planeta) Aaaah... ééééééééh... bom... o cachorro se confundiu... cachorro bobo, viu?! Vai ficar sem ração hoje, viu?!

Agora quem rosnava e babava de raiva era ela.

Entre um pedido e outro de desculpas e a promessa de pacotes fechadinhos de café, uma cafeteira elétrica, um mini-gerador e uma caneca exclusica escrito PF, tomaram uma garrafa de café de procedência duvidosa.

Depois daquilo tudo, a perseguição, o interrogatório e o café ruim, enfrentar onça brava seria fichinha!


Moral da história: se ela tivesse comprado café Melitta, embalado à vácuo, nada disso teria acontecido.

7 comentários:

Silvestre Gavinha disse...

Muito Bom!!!
Mesmo Fabi.
Adorei a aventura da biologa do café.
Hehe.Entendo perfeitamente.
Beijinhos.

Hugo Zanardi disse...

se eu fosse ela, qnd o policial abisse o café eu cheirava todo o pó que voasse, seria a maior e melhor overdose já constatada.
hum... acho que vou fazer uma carreira ali na cozinha...

Anônimo disse...

Se fosse eu...sopraria todo o pó de café na cara dele..hahaha

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Engraçado... eu passei três meses trabalhando na fronteira com a colômbia.

Não para observar espécies noturnas, mas para trabalhar com uma tribo.

Lembro também o que passou na minha cabeça na hora de embarcar para Manaus. O que levar?

Livros... mais do que o necessário.
Não café... mas outro artefato que poderia ter despertado a ira do cão farejador:
vick vaporub. Vááários vidrinhos de vick vaporub.

Unknown disse...

Marie, inclusive eu levaria a cafeteira e o mini-gerador de casa!!! hehehehe

Hugo: kkkkkkkkkkkkkkkk booooa!

Ana, não sei dizer o que eu faria se jogassem meu cafezinho fora... mas soprar na cara dele serviria pra aliviar minha fúria!!! hehehehe

Rafael... só fico imaginando o que você fez com esses vááááááários vidrinho s de vick!!! hehehehehe
(novo por aqui: ganhou uma xícara de café!)

Beijos a todos!

Ana disse...

Oi!
Sempre passo aqui no seu blog e dou uma espiada! Cheguei aqui atraves do site panelinha e achei muito bacana seu blog.
Ainda nao tinha comentado mas tinha q falar um oi pois esse causo do cafe foi muito legal de ler, adorei!
Muito joia seu blog!
Ana