domingo, 2 de maio de 2010

Origami na ponta do garfo


Uma das regrinhas de etiqueta à mesa que parece ser a coisa mais simples do mundo, mas que pode complicar a vida dos menos habilidosos é aquela que se refere às folhas de verdura. Diz-se que nunca, jamais, de maneira nenhuma, de forma alguma você deve cortar folhas de verduras no prato para levá-las à boca. Ou seja, ainda que você esteja diante de uma folha do tamanho de uma orelha de elefante, você terá de se lascar para enfiá-la inteira na boca, de uma vez, sob pena de ser execrado publicamente por algum fiscal da moral e dos bons costumes à mesa (geralmente quem exerce esse simpático papel é aquela tia chata que acha que é rica, aquele primo metido à besta, ou aquele cunhado que não perderia, por nada nessa vida, a oportunidade de fazer você passar um ridículo).


Se não se pode/deve cortar, o jeito então é dobrar. Taí, talvez o mérito do feito fique por conta da habilidade de conseguir fazer tantas dobras quantas forem necessárias para fazer com que uma folha inteira caiba numa única bocada. Não parece coisa muito complicada, pois não?! Mais ou menos.


Quando a salada é sua, você até consegue ter o domínio da situação. No preparo, tira os talos aqui, rasga as folhas grandes ali e pronto, com apenas algumas viradinhas no garfo, já é possível comer a salada sem que se pareça um cavalo comendo capim: metade pra dentro, metade pra fora.


O problema é quando se encontra algum sádico por aí que resolve colocar todas as folhas inteiras na saladeira: rúculas com talos de 2 metros, agriões com 45 ramificações de talos, alface americana que mais parece uma tigela, alface crespa com 3 metros de comprimento por 17,5 de envergadura. Uma complicação que só vendo... comendo.


A rúcula é minha cruz pessoal. Adoro, mas só Deus sabe a briga que travo com seu talo cada vez que ela vai parar no meu prato. A parte da folha é facilmente manipulável, mas o talo é de uma teimosia irritante. Eu dobro, ele volta, dobro de novo, ele volta de novo, quando acho que o venci e estou levando a ruculíssima à boca, pimba!, o talo desenrola e fica pra fora da boca! Situação de pânico. O que fazer?! Tirar a folha toda? Enfiar o talo com a mão? Seja lá qual for a escolha, a cena certamente será ridícula.


O agrião não fica muito atrás no nível de dificuldade, afinal, se perde no comprimento, ganha na quantidade de talos. Dobrar tudo aquilo requer paciência de monge!


Alface americana: somente o imperialismo norte-americano explicaria a presença dessa alface sem gosto e sem graça em praticamente todos os buffets de salada da Terra!! Para começar, ela é praticamente 100% talo. Isso aumenta enormemente a dificuldade de dobrar suas folhas. Quando o sádico em questão resolve colocá-la inteira na saladeira, instala-se o caos. Ela é quase uma folha de repolho!! Quem faria uma salada com folhas inteiras de repolho?!


A alface crespa parece inofensiva, mas quando não é previamente rasgada, torna-se um desafio hercúleo dobrá-la no prato. Seu tamanho costuma variar muito, então há casos em que se pode estar diante da tal orelha de elefante mencionada anteriormente. Dobra aqui, puxa ali, prende esse ladinho, segura aquele ali... quando vai ver, tem-se um lindo origami de alface na ponta do garfo... dá até dó de comer!!


Longe de ser um comportamento selvagem, como palitar os dentes em público* (hehehehe), não cortar ou cortar a verdura não irá torná-lo um ser humano melhor ou pior, mas é um primeiro passo rumo à aristocracia, às altas rodas da sociedade, à realeza (ah, tá!). Ok, não aumenta os valores da sua conta bancária, mas também não custa nada fazer bonitinho à mesa, né não?!


Para que a vida das pessoas fique um pouquinho mais fácil, não custa nada deixar aqui um singelo apelo: oh grandes e pequenos saladeiros do mundo, ao preparar uma salada, por misericórdia, rasguem as folhas e tirem os talos das verduras para não fazer da refeição uma aula de origami!!



*aquele artifício de colocar a mãozinha na frente da boca na tentativa ineficaz de disfarçar o que acontece ali atrás só chama ainda mais atenção. Melhor mesmo é, de boca fechada, ir ao banheiro, trancar-se lá e só voltar quando puder sorrir novamente!


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