terça-feira, 1 de março de 2011

O que você comeu ontem?


Assim, de uma hora para outra a vida virou um caos!

Ele sempre se gabou de ter uma memória infalível. Lembrava-se de coisas dos tempos do berço e sua mãe confirmava tudinho. Sabia data de aniversário de to-dos os amigos: dia, mês e, pasmem, ano! As mulheres detestavam esse 'talento' porque botox nenhum poderia confirmar a mentirinha.

Além dessa habilidade em guardar datas, ele também era um livro de receitas ambulante. Desde criança observava sua mãe cozinhando e no momento seguinte já era capaz de repetir item a item, passo a passo da receita, por mais complexa que fosse.

Sua mãe achava uma gracinha, até porque não precisava mais anotar receitas ou recorrer ao velho caderno, herdado de sua mãe, para executar os mais mirabolantes pratos, era só chamar seu menininho e pronto!

Depois de crescido, percebendo quão encatadas as mulheres ficavam, passou a desculpar-se das gafes das datas preparando os pratos cujas receitas tinha de memória. Claro que, com o tempo, além de decorar a receita, passou a executá-las e aflorou ali mais um talento. Era um cozinheiro de mão cheia. E fez carreira.

Depois de um curso de gastronomia, feito meramente para formalizar sua aptidão nata, abriu um restaurantezinho que logo logo se tornou um suuuuuuper restaurante. Ele era fantástico e tinha uma equipe devotada. Todos seus subordinados tinham verdadeira adoração por aquele chef que sabia todas as receitas de cabeça... 'Ele nunca olha nem uma anotaçãozinha?', cochichavam os novatos que apareciam, 'Nunquinha!', era a resposta, sempre.

Tudo ia bem até que, de repente, assim, do nada, a vida virou um caos. Por quê?

Bom, um dia, como outro qualquer, ele estava na cozinha do restaurante, separando alguns ingredientes quando ouviu: 'Chef, o que o senhor comeu ontem no almoço?'. Silêncio. Um segundo, dois, três, trinta... nada... nenhuma ideia, nenhum lampejo, nem mesmo a mais vaga noção do que havia comido ontem. 'Como isso é possível?', pensou.

O rapaz que perguntou estranhou a demora e refez a pergunta. A resposta, no entanto, permanecia a mesma. Ele, o chef, não suportou a pressão da ausência de resposta. Abandonou e restaurante e saiu vagando pelas ruas. Sem rumo, sem pressa. Andava vagarosamente, enquanto se perguntava: 'O que eu comi ontem no almoço?'.

Está assim há um ano, numa clínica de repouso, tentando descobrir o que comeu ontem.

Temos de admitir, essa é uma pergunta um tanto quanto perturbadora, não?!

E você, o que você comeu ontem?

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