
Fizeram tudo de maneira bem típica: conheceram-se, namoraram, engravidaram, noivaram e casaram-se. Tanto ela quanto ele saíram da casa dos pais para começar uma nova família.
Ela, moça inteligente, dedicada e prendada como não se vê mais hoje em dia. Estava no último semestre de engenharia de alimentos quando engravidou. Foi à formatura de barrigão.
Ele, rapaz bem educado, paparicado e criado sobre os mimos e cuidados da mãe. Estava no último semestre de engenharia civil quando descobriu que não seria mais o neném da mamãe e passaria a ser o papai do neném da vovó. Foi à formatura com enxaqueca.
Caídas todas as fichas, hora de encarar a nova vida. Ele, sortudamente, conseguiu vaga numa grande construtora. Ela, gravidíssima, teria de adiar um pouquinho o início da vida profissional. Aos poucos, as coisas iam se ajeitando: ele estava adorando o emprego, a vida de casado e a idéia de ser pai; ela até que via certo charme em poder desfrutar traqüilamente da gravidez e ter tempo para se dedicar aos cuidados da casa.
Ele, como bom filhinho da mamãe, não sabia ferver a água para um chá. Ela, como boa moça prendada, esmerava-se nos cuidados com o desajeitado marido. Aos domingos, rigorosamente, convidavam os pais de ambos para a macarronada que ela fazia questão de preparar. Ela adorava cozinhar e fazia isso de maneira primorosa, aliando tudo o que aprendeu com a mãe aos conhecimentos técnicos da faculdade. As famílias se davam bem, o que tornava as reuniões sempre muito agradáveis... não fossem os insistentes comentários dele depois que todos iam embora:
- Amorzinho, o almoço estava delicioso, mas a macarronada da mamãe é insuperável.
ou:
- Querida, sua comida é uma delícia, mas ninguém faz macarronada como a minha mãe.
ou ainda:
- Meu chuchuzinho, bem que você poderia aprender como minha mãe faz macarronada, né?
Aquilo, para ela, era uma afronta. Como assim aprender a fazer macarronada com a mãe dele?! Ela aprendeu a fazer macarronada com sua mãe, que, por sua vez, aprendeu com sua avó, que era italiana legítima! Sabia fazer macarrão de modo caseiro, preparava o molho com horas de cozimento, temperos colhidos em sua mini horta. Tudo com amor, técnica, história e preciosismo. E era a mãe dele quem fazia a melhor macarronada???? Tomou aquilo como desafio. Superaria a macarronada da sogra custasse o que custasse e sem pedir a receita.
Começou a pesquisar. Leu livros e mais livros de receitas. Freqüentou cursos, workshops, conferências. Fez aulas com um tri-estrelado chef italiano que visitava o Brasil. Passou a fazer macarronada todos os dias. Já estavam oito quilos mais gordos e nada. Ele continuava dizendo que a macarronada da mãe era melhor.
Um dia, um daqueles dias que tudo resolve dar errado, ela, quase doida, preparava o jantar: macarronada. Entrega das compras do supermercado chegando, cozinha tomada por sacolinhas, a vizinha pedindo uma xícara de açúcar emprestada, os gatos brincando alucinadamente com as sacolinhas do supermercado e o bebê chorando freneticamente, clamando por atenção. Com o molho já quase pronto, colocou a massa para cozinhar e resolveu colocar ordem no caos. Despachou a vizinha dizendo que só tinha adoçante, deu dezessete sacolinhas vazias para os gatos brincarem na varanda, escondeu as comprar no armário e foi acudir o filho que berrava como uma sirene. Como o caso era de fralda vencida, quando terminou de higienizar o herdeiro, o molho já estava num princípio de incêndio e o espaguete já estava da espessura de um braço. Exausta, irritada e furiosa, resolveu servir aquela massaroca no jantar.
Ao engolir a primeira garfada, ele fechou os olhos, suspirou e de joelhos disse à ela:
- Minha vida, finalmente sua macarronada ficou como a da mamãe!!
Ela pediu o divórcio na mesma noite.
Ele voltou para a casa da mãe e ela casou-se com o tal chef italiano.